Um sonho

Fito seu rosto pasmo.
Como pode ser real?
Algo gélido me sobe por dentro,
empurra meu coração pela boca.
Como pode ser tão real?
Minhas firmes pernas, agora trêmulas como as de quem acaba de alcançar seu sonho.
Aliás, se não um sonho, o que mais?
Como ela pode ser tão real?
- L.C.M.
(original do dia 30/09/2017)
Hoje pude ver como a verborragia virou ganha-pão, como o jargão dita o que é verdade e o que é mentira, como a superexposição do óbvio é o método mais seguro para manter determinada posição no faz de conta cotidiano.

Na verdade, o real é raro, e só aquele que compartilha do joguinho não é capaz de ver o desespero expresso em reação à dúvida legítima, aquela que desvela o autoritarismo mantido pelo discurso relativista bonitinho. Afinal, não é o poder hierárquico que persiste quando tudo é relativo?

E é assim que a banda toca: os conflituosos questionamentos sobre a veracidade ou utilidade do conteúdo são esquecidos pelas conversas ocasionais sobre a festa do fim de semana. Não há mais profundidade; tudo se baseia em aprender frases de impacto, que serão moeda de troca em ocasiões específicas.

É nesse sentido que me agrada ver o feio, o errado, o chato, pois me dá medo como as pessoas sempre se entendem e completam os comentários umas das outras. - L.C. M. (texto originalmente publicado no dia 06.11.2016)

Vaidade

Aplaudiram o sábio que admitia não saber.
A empatia com a ignorância admitida do sábio só mostra o quão sofisticada é nossa vaidade. - L.C.M
Reconheço o previsível quando dou conta do meu conhecimento, reconheço o imprevisível quando dou conta da minha ignorância, reconheço o aleatório quando aceito minha ignorância, defendo o aleatório quando ignoro minha ignorância. LCM.
Parto do que vejo e encontro a constância. O concreto não me ilude, permanece previsível, o contrário é coisa frágil e, como toda ilusão, precisa mostrar a concretude de minha ignorância. L.C.M. (publicado originalmente em 16/09/2017)

Essência

Essência, dela nunca estive tão próximo como quando tão intensamente senti sua ausência. L.C.M
Poetas são solitários, suas palavras solidárias. Como paradoxos não existem, há sempre quem contextualize: um poeta quis um dia ser como os outros, começou descrevendo quem os outros são e, desde então, é apenas poeta, mas os outros não - L.C.M.

Gigante maquinaria

"Pouco do quero e posso, muito do devo e ponto" é logo na testa do povo, principalmente nos rotos embotados que esperam o ônibus na esquina. A ofegância constante, o peito espremido, o ar rarefeito, a sufocante pressão dos cargos que com os corações conflitam. O pó do atrito daquilo que engrena essa gigante maquinaria é vermelho sangue e espirra como artéria ferida. A máquina funciona independente das particularidades do homem, o sangue que espirra é daquilo que lhe fornece energia, a pilha de ossos e carne que o ônibus leva para queima dia a dia. - L.C.M.